conheça André Deak e Felipe Lavignatti, criadores do Arte Fora do Museu e diretores do filme Mapas Afetivos, que tem sua estreia dentro da programação do Festival.
“Em uma linha reta de Santos a Campinas, passando por Jundiaí e São Paulo, histórias de vida e de lugares se cruzam para contar como o afeto une pessoas e cidades.” Por essa linha segue o documentário Mapas Afetivos, criado e dirigido pela dupla, que estreia na programação do Festival Mundial da Criatividade 2023.
André e Felipe são também criadores e gestores do Arte Fora do Museu, projeto que nasceu em 2011 como um levantamento de 100 obras de arte nas ruas da cidade de São Paulo. A plataforma cresceu e hoje conta com mais de 100 cidades com obras mapeadas, expandindo também sua atuação para além da web. É um guia de arte de rua, que inclui arquitetura, escultura, graffiti e murais.
Nessa entrevista você conhece um pouco da trajetória de ideias de André e Felipe, ambos criadores e especialistas em mapeamentos digitais, pesquisadores no campo da cidade e da criatividade, dissidentes do jornalismo tradicional e sócios na Liquid Media Lab - produtora de conteúdo digital criada por eles em 2009.
Quando vocês se descobriram pessoas criativas?
André: Eu acho que a gente foi junto, eu e Felipe, nessa trajetória da criatividade, porque a gente vem do jornalismo. E o jornalismo de lide que a gente aprendeu é bem pouco criativo. Lembro de na faculdade ser bem pouco incentivado a ser criativo, com exceção de alguns poucos professores de jornalismo literário, que tinham ali um pé na literatura. Quando a gente faz o Arte Fora do Museu, em 2010, a gente faz via um edital pra fazer arte. A gente nunca tinha feito arte e a gente só pensava: isso poderia ser jornalismo, só está em um formato diferente, em um aplicativo, como um guia… será que não é jornalismo? Na época parecia que era. Hoje já acho que seria um bom marco da nossa guinada pra outros campos. Porque o jornalismo nunca se mexeu de verdade, a gente que foi se mexendo. A gente foi caminhando em direção à arte, a coisas criativas.
Felipe: Pra mim a resposta mais óbvia seria na infância.
André: Desenhar na carteira?
Felipe: É. Eu era o cara da escola que desenhava. Todo mundo vinha atrás de mim pedindo desenho. Nos trabalhos eu sempre dizia: “eu faço a capa”. Desenho foi talvez a parte mais criativa na minha construção de pessoa, era a forma com que eu mais me expressava e era o que eu pretendia fazer da vida. Pensei em prestar artes plásticas mas decidi fazer jornalismo, eu imaginava que com artes plásticas não se ganhava dinheiro, achava que era com jornalismo que se ganhava dinheiro (risos). Acabei deixando o desenho de lado. E o jornalismo… eu achei sempre muito formatado, engessado. Isso mudou quando André e eu começamos a trabalhar juntos, quando a gente ganha o edital da Funarte, de arte digital, pra fazer o Arte Fora do Museu. A partir dali de fato isso tudo vira. Meu sonho de infância era ser artista plástico. Não virei artista plástico, mas ajudei a criar o Arte Fora do Museu que dá visibilidade a muitos artistas plásticos. De alguma maneira eu entrei no mundo das artes.
E como é que despertou a relação criativa com a cidade de São Paulo, o desejo de interagir com esse território?
Felipe: A minha relação com a cidade é quase de encantamento. A primeira vez que eu vim pra São Paulo… eu lembro quando tinha uns 14 anos, quando eu era office boy: eu pegava meu dinheirinho, pegava um trem, descia na Luz e ia justamente pro centro. Tinha uma coisa meio de medo, por ser muito grande, com muita informação. Eu ia pra Galeria do Rock, frequentava uma loja de quadrinhos chamada Muito Prazer. Era um mundo novo que se abria, e era o grande momento do meu mês. Muitas vezes nem comprava nada, mas conversava com gente nova, com piercing, tatuagem, cabelo colorido. Era um mundo praticamente inexistente em Jundiaí de 1980. O teatro mais famoso de Jundiaí, o Teatro Polytheama, ficou fechado na minha adolescência inteira, eu nunca tinha ido pro teatro. E em São Paulo tinha uma imensidão cultural, sempre tive esse fascínio.
André: acho que a Zona Norte não era muito diferente, eu também “vinha pra cidade”. Olhando em retrospecto, fui aprofundando essa relação. Não à toa meu doutorado é lá na FAU, em design de cidades no curso de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em design. E a gente criou o Laboratório da Cidade e eu trabalhei lá com a Raquel Rolnik, e a gente foi fazendo mapeamentos não só de artes mas vários outros, como mapeamentos de direitos humanos, de histórias, de economia criativa, sempre nesses campos da cultura, direitos humanos e criatividade. No meu doutorado, eu digo que a cidade é o lugar onde parece que as pessoas escolheram viver enquanto humanidade, não tem outra saída, a cidade tá colocada, então como é que a gente resolve todos os problemas, todas as contradições? Não resolve, mas tem alguma coisa que a gente pode fazer pra melhorar. Esse foi o jeito que a gente encontrou de entrar nessa conversa de uma perspectiva menos dura - da engenharia, do planejamento - e mais do encontro, da criatividade mesmo, da arte.
Pensando nisso, o que um mapeamento pode oferecer? Tanto pra quem usa quanto pra quem faz?
André: Quando a gente começa a fazer os mapeamentos, a gente começa a estudar cartografias, e é interessante como os mapas através dos tempos são também pontos de vista. Não existe um mapa objetivo. Qual é o centro da Terra? Quando a gente começa a mapear, você começa a perceber coisas que antes você passava e não via, mas agora você vê porque achou que essa coisa é importante, seja uma história, seja um edifício. Pra gente foi interessante olhar a cidade com olhar de estrangeiro. E pra quem usa a sensação é parecida. E os artistas também se sentem vistos, e existem né: existem porque têm visibilidade. E essa discussão é longa…
Felipe: Depois do sucesso do Arte Fora do Museu, a gente começou a ser chamado pra fazer outros tipos de mapas. Era uma ferramenta nova, o smarthphone tava começando. A partir do momento que ele se torna o caminho mais utilizado pra você navegar, quase a extensão do seu corpo, ele vem com um outro dado de navegação, que todo mundo usa, que é a geolocalização. Cada pessoa que tem um smartphone é um ponto no mapa, você queira ou não, você é um ponto no mapa. Até então os mapas eram pouco interativos. Com o advento do digital mobile, essa relação mudou completamente e escancara as visões de mundo. Eu entrei tanto nessa maluquice que acabei estudando mapas digitais no mestrado. No digital, para além de onde é em cima ou embaixo, norte, sul, o mapa é uma representação, e a gente tá num cenário em que cada pessoa é um ponto no mapa, então hoje em dia você é o centro do mapa, todo mundo é o mapa. Sobre os artistas, tem uma história: quando a gente lançou o Arte Fora do Museu, eu recebi um e-mail do ateliê da Maria Bonome pedindo pra falar com o responsável do projeto. Pensei: pronto, lá vem processo. Mas aí ela mesma mandou um e-mail elogiando a gente, muito feliz que várias pessoas descobriram a obra dela na cidade por causa do Arte Fora do Museu. De algum jeito, a gente colocou ela no mapa. Gosto dessa expressão de “estar no mapa”, se não você não está no mapa, não existe.
E sobre as criações atuais, tem projeto sendo gestado?
André: A gente tem gostado de experimentar o audiovisual de maneira cada vez mais autoral. A gente tem pensado não só em documentários mas em arriscar a ficção em alguma direção. Uma das vontades é fazer um mockumentary sobre a São Paulo do futuro que deu certo. Fizemos algumas experiências com Inteligência Artificial rodando imagens do Tietê limpo, com barcos navegáveis, e a gente tem conversado com alguns especialistas que têm nos dito como seria. Claro que o “dar certo” de um é muito diferente do “dar certo” de outro. A gente ainda tá equalizando o que seria esse “dar certo”.
Felipe: Tem uma coisa que tá no cerne do que a gente faz que é contar histórias: tem mil maneiras de contar histórias e elas são sempre pontos de vista. Esse mockumentary é nossa primeira tentativa de quebrar com a ideia de verdade. Mas temos outros documentários saindo também, como um filme sobre o rapper Dexter, que deve sair no ano que vem. Mas acho que a gente vem cortando o cordão umbilical do jornalismo, pensando em outras formas narrativas que contem bem uma história.
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Estreia do documentário Mapas Afetivos
Centro Cultural Banco do Brasil - Centro de São Paulo
quinta-feira, dia 20 de abril
17h00
grátis
Saiba mais sobre o projeto e o filme Mapas Afetivos em: http://www.mapasafetivos.com.br/
Saiba mais sobre o Arte Fora do Museu em: https://arteforadomuseu.com.br/