Autoridade internacional no pensamento sobre cidades, Charles compartilha, nesta entrevista, questões fundamentais para a inovação urbana e social .
Charles Landry é uma autoridade internacional quando o assunto é a cidade. Criou o conceito de Cidade Criativa nos anos 1980 e seu livro sobre o tema The Creative City: A toolkit for Urban Innovators (2000) trouxe uma nova perspectiva para a proposição de ideias inovadoras para o urbanismo a nível global.
Nascido em 1948, no Reino Unido, Charles é hoje um pesquisador na Academia Robert Bosch, em Berlim. Ele atua como consultor de transformações complexas em grandes cidades. Seu trabalho inclui métodos para medir, avaliar e acessar o ecossistema inovador de uma cidade e sua capacidade de se adaptar a mudanças globais radicais. Até o momento, 23 cidades já foram avaliadas dessa forma, incluindo Helsinki, Krakóvia e Taipei.
Charles é a primeira atração de destaque confirmada para o Festival Mundial da Criatividade, de 20 a 22 de abril, e estará presente no centro de São Paulo para compartilhar suas ideias que combinam uma vasta experiência prática e teórica com um frescor constantemente atualizado. Ele gentilmente concedeu uma entrevista para este site, onde abordou aspectos do seu percurso, do seu pensamento sobre criatividade e cidades, e também sobre suas expectativas para o Festival e para São Paulo.
Então vamos lá:
Como surgiu a vontade de pesquisar a criatividade?
É a minha história de vida. Quando era bem jovem, sempre encontrava pessoas que eu considerava muito interessantes. Mas elas pareciam aprisionadas e incapazes de se expressarem completamente, e de atingirem seu potencial. Então eu pensei: como elas podem expressar sua criatividade? Eu deveria focar em indivíduos, organizações ou cidades para essa questão? E pensei que a cidade seria o campo mais interessante, porque ela tem muitas organizações, culturas e pessoas com opiniões diferentes. Mas como todas elas se juntam? Como as cidades podem pensar, planejar e agir com imaginação para resolver problemas e criar oportunidades?
E quais são as possibilidades de criatividade que você vê em São Paulo?
Bem, Lucas (Foster) me mostrou a cidade. Obviamente, eu já estava consciente das favelas e da sua enormidade. Mas, exatamente porque tantas pessoas vêm de lugares tão diferentes, e cada vez mais de outros lugares do mundo, é claro que existe um enorme potencial para a criatividade. Mas a pergunta é: como a complexidade da cidade, com sua pobreza e riqueza, pode ser equilibrada de alguma forma? De que tipo de criatividade São Paulo precisa? Acredito que existam diferentes dimensões. Uma delas é o seu lado físico: como o espaço público se organiza para compreender a escala humana? A cidade atrai muitas pessoas ambiciosas também, que querem fazer uma diferença. É por definição um gigante porto sul-americano, e tem muita identidade. E eu acredito que essa é uma pré-condição para a criatividade. Porque as pessoas têm algo em seu coração e alma. Inovação social é um exemplo de direção, ou como produzir encontros entre diferentes populações. A criatividade acontece quando pessoas de diferentes opiniões se juntam e olham para as coisas de maneiras diferentes.
Quais são as suas expectativas para o Festival Mundial da Criatividade?
Estou muito animado com como isso pode ser formulado, tenho conversado muito com o Lucas sobre isso. Às vezes as pessoas pensam que criatividade é sobre ser cool, hipster, fazer webdesign e feed do Instagram. Sim, esse é um elemento da criatividade. Mas você precisa de um propósito, um objetivo que deve ter prioridades éticas como “queremos dar a oportunidade de uma boa educação a todas as pessoas”, ou “queremos encontrar maneiras de celebrar a diversidade”. Eu não queria que a criatividade fosse apenas sobre as artes, mas ainda: qual seria o papel das artes em fomentar essas agendas globais? Vamos conversar sobre tudo isso em abril.
Você pode nos dar uma introdução do seu conceito de burocracia criativa?
Quando eu comecei a explorar o conceito de cidade criativa, meu foco inicial era nas artes e na cultura, porque muitas cidades na Europa estavam em decadência, mas mesmo com a indústria em colapso, elas ainda tinham uma identidade, uma cultura. E me dei conta de que também havia criatividade nos negócios, na ciência e na inovação social. Quando eu olhava para a cidade, que é uma espécie de organismo, eu pensava que faltava algo na administração pública: quem cuida das luzes, dos prédios, das árvores. A ideia de burocracia criativa passa uma mensagem aos burocratas: eles também podem ser criativos. E eles são criativos mas constantemente aprisionados no sistema em que operam, com suas regras. Mas com as mudanças no mundo, precisamos também pensar em mudanças nos regimes de regulamentação. Precisamos mudar, mas você é também um agente de mudança. Precisamos pensar em uma maneira menos hierárquica para que pessoas de vários níveis possam contribuir. Eu realizo uma conferência anual sobre o tema desde 2018, em Berlim, onde nós celebramos os grandes exemplos. E quero fazer isso no Brasil também, no Festival, para criar um porto de colaboração entre as suas organizações. Se fosse pra eu te dar um slogan, seria esse: como nos movemos de um “não, porque…” para uma cultura de “sim, se…”. Isso cria uma atmosfera diferente em uma organização.
Quais são os seus projetos atuais?
Tem o Festival de Burocracia Criativa em Berlim, e sou também curador de um seminário de mobilidade em Cascais, Portugal. Lá usamos um sentido amplo de mobilidade: mobilidade enquanto desenvolvimento humano. “Existem oportunidades para mim? Para onde posso me mover?” Uma mãe que leva os filhos para escola por um caminho toma outro caminho para ir ao trabalho, como deixar isso mais fácil? Eu também faço consultorias para cidades criativas, olhamos a totalidade da cidade e medimos o quão criativas são as suas regulamentações. A quarta coisa é um projeto que estou desenvolvendo Além da Sustentabilidade, que é também sobre medidas, mas podemos olhar para a cidade e medir o quão restaurativa ela está sendo? Em teoria, podemos criar prédios que produzem mais energia do que consomem, mas estamos fazendo isso?
Em breve anunciaremos a data e o local de sua participação no Festival. Por enquanto, você pode conhecer algumas de suas principais ideias sobre as cidades criativas, que Charles gentilmente nos concedeu:
Precisamos mudar a questão “qual o valor para a imaginação no desenvolvimento da cidade?” para “ qual o custo de não pensar em imaginação e criatividade?”. Nomeie uma cidade que seja resiliente, sustentável, atrativa e importante, mas que tenha fraqueza de ambição e imaginação.A cidade sempre foi fonte de problemas e também de soluções inventivas para os problemas que cria. Agora, o foco especial deveria ser em criar inovações que curem o estresse ambiental, e em segundo lugar procurar maneiras para que as diversidades coabitem em harmonia e encorajar uma experiência holística de 360 graus que compreenda a sua complexidade. Criatividade pode vir de qualquer fonte e às vezes as soluções inovadores conectadas aos pobres são desvalorizadas. As microfinanças iniciadas na Índia são um exemplo disso. Existe um impulso mais profundo para mover nosso desejo de mudança. É a necessidade de sobreviver e nosso senso inato de brincar como seres humanos. É o estado brincante, da infância, que precisamos recapturar. Para concluir: construir uma cidade criativa é mais sobre um improviso de jazz do que uma bem orquestrada sinfonia.